Eduardo Campos já está fardado com o figurino de candidato do PSB à Presidência da República, mesmo que a eleição só esquente após a Copa do Mundo. O ritmo é intenso, com gravações feitas entre escalas, momento em que aproveita para se reunir com sua futura vice, Marina Silva.
Foi assim na noite de sexta-feira, quando aterrissou em Brasília a caminho de um compromisso em Goiás. Quem olha os dois, enxerga equipes e posturas diferentes, mas a sintonia está afinada. Apesar de o tempo inteiro mandar recados direcionados ao empresariado desconfiado com Marina, Campos também agregou ao vocabulário expressões comuns ao eleitorado da colega de chapa: diálogo da sustentabilidade entra nas explicações sobre as relações com o agronegócio.
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O socialista é metódico, anota tópicos em uma folha de papel antes de responder cada pergunta. Formado em Economia, aproveita as horas de voo para se aprofundar no assunto. Os pontos fracos do governo Dilma, como inflação e escassez de energia, são dissecados em números e dados detalhados.
É se apresentando como contraponto à antiga colega de ministério que o jovem ex-governador de Pernambuco pretende reagir nas pesquisas, onde figura em terceiro lugar. A conversa com Zero Hora foi na sede da Fundação João Mangabeira – rodeado de fotos de figuras emblemáticas do PSB, como próprio avô Miguel Arraes e o escritor Ariano Suassuna –, local que agora serve de estúdio improvisado.
O senhor teve de marcar posição quando Aécio Neves (PSDB) disse que vocês tinham mais coisas em comum do que diferenças. O que diferencia a sua candidatura da de Aécio?
Temos trajetórias de vida e formação política distintas. Militamos no mesmo campo, ainda jovens, na luta pela democracia com as Diretas e na eleição de Tancredo Neves à Presidência. Daí em diante, não comungamos do mesmo projeto nacional. Aécio participou do governo FH, e eu era oposição. Participei do governo Lula, e ele era oposição. A grande diferença, hoje, é que, ao contrário do projeto do PT e do PSDB, nós podemos unir o Brasil em torno de uma agenda que preserve as conquistas, reconheça o papel de cada uma das forças na história do país, mas que aponte para uma nova jornada de desenvolvimento. Unir o Brasil é fundamental para melhorar a política. Ambos (PT e PSDB) chegaram ao governo sob a égide da renovação política e terminaram por se entregar, de uma forma ou de outra, às velhas alianças com partidos fisiológicos, patrimonialistas. Precisamos de uma renovação que aposente as velhas raposas ou que as coloque na oposição.
O senhor já disse que pretende mandar José Sarney para oposição, que vai se distanciar do PSDB e tem atacado o PT. Vai governar com quem?
Espero que o povo cumpra seu papel, que mande para o Congresso um novo conjunto de senadores e deputados. Vamos governar com quem for legitimamente eleito, dialogar com os partidos como se dialoga na França, Alemanha, Inglaterra. Somos a sétima economia do mundo, não podemos fazer política como se fazia no século 19, dando pedaços do Estado a políticos que não têm ligações com os novos valores da vida pública.
Mas é possível governar sem o PMDB, por exemplo?É possível governar com pessoas e quadros do PMDB que têm preocupações próximas às do nosso campo. O PMDB do Rio Grande do Sul tem figuras que dão todo dia aula de boa política, como o senador Pedro Simon.
Para segurar a inflação é preciso aumentar juro, segurar crédito e cortar gastos públicos. É o que o senhor pretende fazer se for eleito?No dia do anúncio do PIB, o ministro Guido Mantega reconheceu que a gente tinha razão. O que faz com que esse governo tenha o pior crescimento da história republicana é a condução equivocada da macroeconomia. O principal culpado é a quebra da confiança, que vem da vacilação do governo, que não consegue dizer ao país e aos agentes econômicos quais são as regras. A regra que pretendemos seguir é exatamente a do tripé macroeconômico: vamos ter meta de inflação para ser cumprida, câmbio flutuante com um Banco Central independente, controle, pelo Conselho Nacional de responsabilidade social para apostar na transparência, para que o brasileiro saiba quanto custa cada renúncia fiscal. O Minha Casa Minha Vida é uma política acertada, deu subsídios para construir milhões de moradias para quem não tem casa. Agora, vale a pena tomar dinheiro de impostos para emprestar a uma determinada empresa que não gera emprego e poderia buscar o recurso no mercado financeiro?
O senhor fala dos financiamentos do BNDES?Todos, não só do BNDES, porque bancos públicos dão financiamento subsidiado. O Brasil precisa saber que inflação não se combate só com juros e corte de gastos, a inflação se combate também melhorando a competitividade da economia, melhorando a infraestrutura. Além das ferramentas convencionais, existe o dever de casa em educação, logística, questão tributária, aspectos que impactam muito na inflação.
O senhor é a favor da independência do Banco Central?Sou a favor e defendo, na constituição do programa de governo, a independência do BC como existe nas agências reguladoras, só que a escolha dos gestores das agências não pode se dar mais no balcão das indicações políticas. Queremos um mecanismo transparente, como um comitê de busca, para dar oportunidade a quem tem currículo e competência. Chega de partidos quererem ser donos de pedaços do Estado.
Nos Estados ligados à produção primária, como o Rio Grande do Sul, é grande a resistência a Marina Silva. O senhor não teme um prejuízo eleitoral?Não temo. Nasci e vivi meus primeiros anos no campo, conheço a realidade. Sei hoje que a Marina tem papel importante para que o diálogo da sustentabilidade possa agregar um valor importante ao agronegócio, como um diferencial a mais. Hoje, tanto supermercados quanto tradings e bancos respondem a um consumidor que vai à gôndola cada vez mais preocupado em verificar a origem dos produtos. No Brasil e no mundo, o consumidor quer ver certificação de origem, para saber que aquele produto não vem de propriedade que passou por desmatamento ilegal, por exemplo.
Como conciliar as posições defendidas por sua vice, Marina Silva, com as dos empresários, que são divergentes?
Não vejo resistência. Ao contrário, há empresários que dizem que votaram nela na eleição passada.
Como frear a pauta conservadora dos evangélicos, partidários de Marina Silva?Separo muito bem Estado e religião. O Brasil é um país laico. Tenho a minha crença, e a Marina, a dela. Nós nunca misturamos religião com política. Respeito todas as crenças, todos os credos.
O Brasil está à beira de uma crise de energia, e especialistas são claros em defender a construção de hidrelétricas. Como levar adiante projetos condenados por Marina Silva?
As hidrelétricas que estão sendo construídas hoje foram licenciadas pela Marina no tempo em que era ministra. Ninguém no mundo de hoje imagina que você fará uma hidrelétrica sem preocupações ambientais. A questão energética é um grave problema no Brasil, e quem vem comandando a questão há 12 anos é a presidente Dilma. Os erros dos últimos anos já estão acumulando prejuízos ao erário que passam de R$ 100 bilhões, ou seja, 10 vezes o que a União coloca na educação por ano. O setor tinha plano estratégico, tinha conselho político plural e terminou por perder a visão de caráter estratégico, passou a ser governado quase única e exclusivamente por uma ou duas pessoas ao lado da presidente, de maneira autoritária.
O senhor acha a presidente Dilma Rousseff autoritária?
Vivemos tempo de pouca transparência na gestão do setor elétrico. O Conselho Nacional de Política Energética não se reúne, não se vê uma ata da comissão do setor elétrico. Quando se reúne, é quase de forma clandestina.
A imagem de gestora da presidente Dilma é questionada?
No setor elétrico, temos 4 mil megawatts sem rede de transmissão. Temos um país que tem o sol que tem e não tem um leilão exclusivo de energia solar. Eu, como governador de Pernambuco, fiz leilão de energia solar. Ainda temos metade das usinas de açúcar vivendo uma crise enorme no etanol, incentivado no governo Lula. A Petrobras, no primeiro dia do governo Dilma, valia 100, hoje vale 50 e está quatro vezes mais endividada. É a única petroleira do mundo que, quanto mais vende gasolina e diesel, menos lucro. O governo fala do pré-sal, do pré-sal e do pré-sal, mas o Brasil está importando diesel. Esse é um setor que precisa ser reestruturado.
Qual a sua opinião sobre a CPI da Petrobras investigar o porto de Suape?O governo tem uma base ampla no Congresso, capaz de abrir a CPI que desejar abrir. O que não há em Suape é um fato determinado. Suape é um sucesso, premiado como o mais eficiente porto público do Brasil, único porto verde, um porto que, na nossa gestão, corrigiu todos os passivos ambientais de 30 anos, um sítio que tinha 50 mil operários e que nunca teve problema. Será um prazer investigar e concluir que Suape é um lugar bom para se investir.
O senhor pretende cortar ministérios. Quais?
Vamos cortar. Vamos disputar a eleição com programa de governo que funciona como um contrato com o povo. Esse programa vai permitir desenhar a forma que vamos dar aos ministérios, que precisa ser reduzido pelo menos a metade.
Com isso, pretende diminuir o tamanho e o custo do Estado? Hoje são mais de 20 mil CCs.
Vamos enxugar ministérios auxiliados por pessoas que trabalham com modelagem de gestão. Em Pernambuco, num primeiro momento aumentamos secretarias sem aumentar cargos, e projetamos que lá na frente iríamos diminuir. Demos status de secretaria a áreas que precisavam. Nesse processo, criamos metas, remuneração variável, meritocracia. Não basta falar que vou cortar ministérios e 10 mil CCs. É preciso um projeto com ajuda de especialistas em gestão para fazer com que o modelo funcione.
Qual a sua posição sobre a regulamentação da mídia?
Quem regulamenta a mídia é o leitor. Se essa editoria é reacionária e conservadora, o leitor procura uma mídia que serve ao seu pensamento. Hoje, há mudanças tão profundas nas plataformas de comunicação que esse debate é deslocado no tempo.
A única reforma feita pelos governos Lula e Dilma foi a da Previdência. O senhor terá a coragem de fazer outras reformas urgentes, como a tributária e a política?
A reforma tributária é uma dívida para com o país. A gente precisa fazer as reformas política e tributária com o pensamento de implementação em médio e longo e prazo, com ações imediatas. Apoio coincidência de eleições, mandato de cinco anos e fim da reeleição. É um primeiro passo para criar no Brasil um clima para uma reforma política mais ampla.
O fim do fator previdenciário não deslancha no Congresso. O senhor é a favor?
A Previdência precisa que se aumente a formalização do mercado de trabalho. A gente precisa rever o fator previdenciário. Estamos achatando de maneira indevida e em alta velocidade o rendimento de grande parcela dos aposentados mais pobres do Brasil.
O Rio Grande do Sul espera aprovar a lei que muda o indexador da sua dívida. O senhor é a favor da medida?
A gente precisa ter discussão sobre o pacto federativo, que está cada dia mais fragilizado. Quando Lula deixou o governo, de cada R$ 100 da arrecadação de tributos no país, R$ 14,50 iam para os municípios. Hoje, R$ 11 vão para os municípios. Temos um ambiente claro de contenção das receitas nos Estados e municípios e temos Estados importantes, como o Rio Grande do Sul, vivendo situação fiscal complicada há mais de 20 anos. Temos de encontrar um caminho para fortalecer o pacto e ver situações específicas.
É possível aplicar 10% do PIB na saúde?
Temos quatro questões para melhorar a saúde. Primeiro é gestão. Tem como melhorar 30% da produtividade, pois há hospitais públicos bem e mal administrados. Segundo, colocar mais dinheiro no SUS. O repasse per capita do SUS é um dos menores do mundo para quem tem um sistema de porta aberta como o nosso. Estados e municípios fazem sua parte, aplicam mais do que prevê a legislação. Já a União saiu de 85% do financiamento em 1988 e chegou a 45% ano passado. O terceiro eixo é recursos humanos, formação. Por último, as parcerias, pois o SUS preconiza que público e privado são complementares. Temos tabela do SUS congelada há 10 anos, que faz com que parcerias sejam desfeitas.
O senhor apoia a vinda dos médicos cubanos?
Sou a favor de médicos brasileiros, formados nas universidades públicas brasileiras, que foram fechadas nos anos 1990 e 2000, criando o problema lá atrás. Levamos 10 anos para formar um médico e, ao ter uma vaga fechada na universidade, criou-se uma situação de vazio assistencial em regiões do país. Os médicos de fora são soluções provisórias e para parte do problema, que é a ação básica. Só que, enquanto trouxeram médicos de fora, 11 mil leitos foram fechados no SUS durante o governo Dilma. Há uma tentativa tratar a saúde como marketing.
O senhor é contra a revisão da Lei da Anistia?
Entendemos que o Brasil é signatário de tratados internacionais com força de lei, que foram votados no Congresso, nos quais a tortura é um crime hediondo, que independente de anistia, deve ser processada e julgada pelo ordenamento brasileiro, punindo quem cometeu crimes. Agora, a Lei da Anistia faz parte da história, foi pactuada para ser uma conquista. Ela deve ser respeitada como peça da história.
Se Dilma for substituída por Lula, o senhor se manterá na oposição?
A nossa decisão não foi tomada em função do candidato de determinado conjunto. Vamos concorrer para oferecer ao Brasil uma chance de mudar, mas mudar para o futuro, não para o passado.
O senhor teria lutado para trazer a Copa do Mundo para o Brasil como Lula fez?
Naquele momento, quando se foi buscar a Copa, todo Brasil apoiava. O que o brasileiro não esperava é que a atenção dada à Copa fosse maior do que a dada a outros problemas, como mobilidade das cidades, educação, SUS. A atenção não veio na mesma medida, e fez com que a Copa vivesse essa crise.
Como está a construção dos palanques? O senhor está com problemas com a Rede em São Paulo, Rio e Minas Gerais. Sem falar em Estados como Santa Catarina, onde o senhor não tem nenhum palanque. Como resolver essas questões às vésperas das convenções?
Com Dilma e Aécio os problemas são muito maiores. Resolvemos alguns problemas, outros vamos resolver nas convenções e outros não vão ter solução. Vamos conviver com a realidade de cada partido e fazer aquilo que consegue fazer em cada Estado. Não estamos aqui para discutir a formação de palanques regionais, nossa discussão é nacional. Torcia para que todos os aliados estivessem juntos sempre, e isso já é possível em 15 Estados.
O que Marina Silva como vice agregou a sua candidatura?
O gesto tomado por ela, ao não poder ter a Rede constituída para essas eleições, é o gesto digno da nova política. Marina poderia ficar pensando na pessoa dela, se lamentando, poupada de ter de tomar decisões. Ela buscou na cena política brasileira quem está mais próximo da sua caminhada, e escolheu o PSB. Ela tem nos ajudado, com sua experiência de vida, nos aproximando de setores da juventude, ajudando com conteúdo no debate. E vai ajudar a juntar mais brasileiros para que a gente possa vencer as eleições.
O senhor é mais conhecido no Nordeste. No segundo turno o senhor tem mais chances de derrotar a presidente Dilma do que Aécio Neves?
Se formos analisar 2006 e 2010, veremos que a reeleição de Lula se deu, sobretudo, pelos resultados do Nordeste. A da Dilma, exclusivamente pelo resultado do Nordeste. Ela ganhou com 12 milhões de votos de sobra e teve 11,8 milhões na soma de Norte e Nordeste. Então, esse número já responde à pergunta.
O senhor ainda aparece nas pesquisas como pouco conhecido. Quando começa a mudar?
Analistas deixam claro que a candidatura com maior potencial de crescimento é a nossa, porque tem baixo nível de conhecimento. Temos também a mais baixa rejeição. Se somente 25% me conhece e tenho 14% na pesquisa, quando eu tiver 50% (de reconhecimento) posso ter 28% (de intenções de voto). Quando tiver 100%, posso ter 56%. Há um ano, não se falava de Dilma no segundo turno, de um PSB (com candidato) viável, de Marina Silva como vice. As pessoas achariam tão estranho como a conta que faço. Sei que nesta eleição 80% do povo vai sair de casa para mudar o governo que está aí.
O Nordeste é estratégico, mas esse perfil de eleitor não está no Sul ou Sudeste?
Esse eleitor está no Brasil inteiro, em áreas que já foram mais difíceis para Dilma, onde há oposição clássica constituída. As pessoas perceberam que a polarização não faz bem a um país que quer paz, entendimento, crescimento.
O senhor acha que na Copa as manifestações serão capazes de afetar as eleições?
Em uma sociedade democrática, manifestação é algo legitimo. Quem está feliz, aplaude. Quem está indignado com o que acontece, protesta. Espero que as manifestações tenham paz, respeitando as leis. O reflexo nas eleições já está dado. As pessoas já estão com sentimento claro de mudança.
Com uma agenda mais seletiva nesta fase da campanha, Aécio Neves (PSDB) escolheu dar prioridade a eventos em que tenha oportunidade de expor suas ideias, intercalando propostas com críticas severas ao PT e ao governo da presidente Dilma Rousseff. O corpo a corpo ficará em segundo plano diante da necessidade de gravar programas de TV, dar entrevistas, participar de debates e atender a convites de entidades empresariais.
Aécio falou aos jornais do Grupo RBS na terça-feira, no apartamento funcional que ocupa em Brasília. Na sala, decorada com sofás claros e personalizada com objetos de arte trazidos de Minas Gerais, detalhou seu plano de governo.
Admitiu renegociar a dívida dos Estados e reduzir o percentual de comprometimento da receita, desde que o dinheiro vá para projetos de infraestrutura.
Leia todas as entrevistas com os presidenciáveisSó se mostrou incomodado ao ser questionado sobre o aeroporto do município de Cláudio (MG), construído em terreno desapropriado de sua família. Defendeu a legalidade da obra, mas se recusou a informar quantas vezes utilizou a pista. Ontem, o candidato acabou admitindo ter usado “algumas poucas vezes” o terminal.
Ao final, emocionou-se ao falar dos gêmeos, Julia e Bernardo, que nasceram prematuros. A menina já está em casa com a mãe, Letícia, mas o menino precisou ficar mais tempo na incubadora. Sempre que pode, vai ao Rio para ver a mulher e os filhos.
Na equação tradicional, inflação se combate com juro alto e corte de gastos. Se eleito, qual será a sua fórmula?
A fórmula é crescimento. Temos de resgatar, no Brasil, a capacidade de crescer. Isso passa por confiança dos agentes econômicos, matéria-prima em falta hoje. E essa confiança se dá com regras claras e transparência absoluta na condução da política fiscal. O governo do PT é vítima de uma armadilha que ele mesmo criou ao buscar, por meio da contabilidade criativa, superávits que não eram reais. Quando o mercado percebe que os números não vão se manter para o futuro, reage de forma preventiva. Inflação é também expectativa. Se hoje você vê preços represados, como dos combustíveis e do setor elétrico, você trabalha com a perspectiva de que, em algum momento, isso vai ser liberado. O Brasil vive uma crise de confiança que tem abalado os investimentos.
Crescimento leva tempo. Em um primeiro momento, em 2015, vai haver inflação e juro altos. Como combater isso?
Olha, 2015, em grande parte, vai estar precificado por esse governo. Ninguém se ilude em relação a isso. O que percebo é que uma vitória nossa pode trazer um movimento inverso aquele que houve em 2002. Não pelo Lula, pessoalmente, mas pela incerteza que se tinha. Naquele momento, teve disparada do dólar, teve inflação de 7,5% para 12% em um período muito curto. Por quê? Porque não se sabia o que ele iria fazer. E ali ele agiu de maneira adequada. Lula precisava sinalizar para o mercado: colocou o (ex-ministro da Fazenda Antonio) Palocci, manteve os pilares macroeconômicos inalterados, e aí as coisas se encaminharam para um período longo de estabilidade. Com uma vitória nossa, poderemos criar uma expectativa melhor. Não estou dizendo no começo de 2015, mas no meio do ano poderemos contar com os investimentos que deixaram de vir.
Qual é o erro deste governo na área econômica?
O PT fez uma aposta, que em determinado momento tinha lógica, no crescimento da economia via consumo. Foi quase a única aposta. E como viabilizar isso? Com oferta de crédito amplo para toda a economia. Isso não estaria errado se viesse acompanhado, na outra ponta, de investimentos na oferta. Seriam os investimentos de infraestrutura, que deixaram de vir. Esse crescimento pelo consumo tem um teto em qualquer parte do mundo, que é o do endividamento das famílias. Então, hoje temos um crescimento anacrônico. Não há infraestrutura, o Custo Brasil é altíssimo. É o país que menos cresce na região nos últimos três anos. O fato concreto é que o governo Dilma fracassou na condução da economia – vai nos deixar com um quadro de estagflação, crescimento pífio e inflação alta –, fracassou na gestão do Estado, pois o Brasil é um cemitério de obras inacabadas, e fracassou naquilo que eles se julgavam monopolistas, na construção de uma nova política social.
O preço dos combustíveis tem sido represado artificialmente pelo governo. O senhor vai alinhar em relação ao mercado internacional?
Essa medida (o represamento dos preços) foi equivocada sob todos os aspectos: descapitaliza a Petrobras, estimula o consumo de combustível fóssil e destrói o único setor em que éramos vanguarda e buscávamos novas fronteiras no mundo, o do etanol, que hoje está com mais de 40 usinas e 100 mil empregos fechados. É prejuízo por toda parte. Como fazer esse realinhamento? Só vou ter como saber quando tiver acesso a todas as informações e ao custo disso para a Petrobras. Mas quero resgatar rapidamente o setor sucroenergético, porque gera divisas. É extremamente importante do ponto de vista ambiental e social. Gera em sua cadeia mais de 2 milhões de empregos.
Em caso de vitória, qual será o papel de Armínio Fraga no seu governo?
Vocês não querem que eu revele o ministério já, né? Olha, é um privilégio para qualquer um que deseje a Presidência ter a companhia de Armínio. Além da experiência de governo, ele tem a virtude de estar conectado ao mundo: tem contato com o presidente do Fed (banco central americano) e do banco central da União Europeia. Isso é um ativo muito importante em uma economia globalizada, em que um agente também se move pela ação de outros.
Um tema que interessa ao Rio Grande do Sul é a renegociação da dívida dos Estados. O senhor manterá a promessa de mudar o indexador, se eleito?
Sou um dos propositores desse acordo, quando ainda era governador, antes de ser senador e candidato à Presidência. Hoje, os Estados estão estrangulados porque o Brasil não é mais uma federação, o Brasil se tornou um Estado unitário. Apenas o governo federal detém recursos e determina o que fazer com eles. Ou refundamos a federação do Brasil, e uma das peças desse quebra-cabeça é a renegociação das dívidas, ou cada vez mais vamos ter serviços de pior qualidade e atrofia dos municípios e de alguns Estados, o que nos preocupa muito. O governo fez o acordo, foi ao Congresso por meio do seu ministro da Fazenda (Guido Mantega) e, depois, desfez o acordo. Esse é um tema que é muito caro ao Rio Grande do Sul, que infelizmente continua com essa equação desequilibrada.
Como resolver?
A renegociação é necessária. É possível fazer um acordo para que uma parcela dessa quantia renegociada seja direcionada para um investimento estruturante do Estado, de acordo com a sua potencialidade na economia.
Que outras alternativas existiriam para aliviar as contas de Estados e municípios?
Existe uma proposta de minha autoria no Senado que infelizmente o PT não deixou aprovar, na qual as desonerações de impostos não atinjam as parcelas do Fundo de Participação dos Estados e municípios. Você permite que o governo continue tendo o instrumento das desonerações, mas sobre sua parcela, sobre a sua receita. Hoje, o governo desonera o IPI do automóvel e afeta o caixa do município e do Estado. Nos últimos três anos, R$ 12 bilhões deixaram de entrar nos cofres municipais em função de desonerações em que o município não é consultado, não é chamado para opinar se para ele não é mais vantagem desonerar a linha branca, automóveis ou o que quer que seja, ou se, para ele, o mais importante é ter essa receita para cuidar da saúde nos municípios.
O senhor pretende mexer apenas no indexador da dívida ou também na parcela de 13% da receita paga mensalmente?
Tenho muita cautela em tratar disso, mas já avançamos em uma discussão no Congresso em que eventualmente poderíamos diminuir esse percentual para algo em torno de 11%. Desde que essa variação possa ser investida em obras estruturantes, que possam ter como objetivo a retomada do crescimento. Obras de logística, por exemplo.
O Brasil é um anão diplomático, como disse o porta-voz israelense em resposta à condenação brasileira aos ataques na Faixa de Gaza?
É uma crítica um pouco grosseira, não é diplomática. Mas estamos perdendo relevância. Política externa, hoje, é comércio, é pragmatismo. Há 40 anos, o Brasil participava em algo como 2,3% do conjunto do comércio internacional. Hoje, participa com 1,3%. Em cinco anos, vai ser 1%. Essa perda de relevância do Brasil faz com que as suas posições diplomáticas também não sejam posições definitivas. Mas o Brasil é estratégico para o mundo, sobretudo pela capacidade de produção de alimentos. Agora, estamos perdendo relevância inclusive na nossa região. Temos sido muito mais caudatários de decisões tomadas por Argentina e Venezuela do que conduzindo esses países a decisões mais equilibradas. O que me preocupa é que o Brasil se solidariza exageradamente com países que demonstram muito pouco apreço pelos valores democráticos. Isso para mim é especial.
No caso do conflito israelense-palestino, na Presidência o senhor teria agido como?
A tradição da política externa brasileira é de absoluto equilíbrio. E por isso ela era, sempre foi, relevante. Não digo que deixou de ser por conta desse episódio. Eu condenaria o uso excessivo da força de parte de Israel, mas condenaria também os ataques vindos do outro lado, de Gaza (feitos pelo Hamas). E focaria o esforço no apelo por um cessar-fogo. O que ficou mais evidente nesse episódio foi uma certa solidariedade brasileira a uma parte.
O PT tem criticado o que chama de “tratamento diferenciado” ao mensalão do PT em relação ao mensalão tucano. O senhor vê favorecimento?
Olha, são coisas tão diferentes. Vamos deixar que a Justiça julgue o caso. A diferença básica entre PSDB e PT é que nós não transformaremos eventuais condenados em nossos heróis nacionais. O fato concreto que incomoda o PT é que a Suprema Corte condenou próceres, líderes muito importantes do partido. Nunca torci para isso. Do ponto de vista pessoal, isso não me traz alegria alguma. Mas foi uma decisão da Suprema Corte brasileira, que precisa ser respeitada.
Em que momento vocês decidiram recuperar o legado do presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi esquecido nas últimas duas eleições?
Nem foi na campanha. Sempre achei um equívoco não nos apropriarmos de forma mais clara dos avanços do presidente Fernando Henrique. Até porque não teria havido o governo de Lula se não fosse o governo FH, com estabilidade da moeda, da economia, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, com privatizações, com o resgate da confiança internacional no Brasil. O governo FH criou as bases para que o governo Lula tivesse avaliações positivas. Inclusive com o início dos programas de transferência de renda. Pelas circunstâncias daquelas eleições, foi tomada uma decisão. Agora seria fácil eu dizer que foi uma decisão equivocada. Ao final do governo FH, havia uma certa fadiga de material, realmente.
O senhor não tem problema em defender as privatizações?
As privatizações foram essenciais para que tivéssemos investimentos durante o próprio governo Lula. Ou alguém diria que o setor de telefonia estaria melhor hoje nas mãos do Estado? Até brinquei em outra sabatina: quem aí compraria um avião da Embraer se o presidente dela fosse indicado do PT? As privatizações foram importantes e ajudaram o Brasil a se modernizar. O PT hoje tem uma base partidária cujo único objetivo é um projeto de manutenção de poder. Quero devolver as estatais, como a Petrobras, aos brasileiros. Ela é hoje instrumento político. É inacreditável você falar hoje em indicação política para a diretoria de uma instituição financeira e da própria Petrobras. No meu governo, não vai ter, como não teve em Minas.
Qual é a reforma mais urgente hoje para o país?
É a reforma política. Vou citar três pontos essenciais, que não são consensuais nem dentro do meu próprio partido, mas será minha posição e vou negociar para que sejam aprovados. O primeiro é o voto distrital misto. Na nossa proposta, metade das vagas seria dividida em distritos. Em cada Estado, você pega o número de vagas existentes e divide por distritos, onde os partidos lançam candidatos majoritários naquele distrito. Isso aproxima o representado, o cidadão, do seu representante. O eleitor vai lembrar em quem votou, então é alguém que vai ter conexão com suas realidades locais, e isso é importante para o parlamento. A outra metade seria eleita por listas partidárias. Vai haver representantes de um segmento de pensamento que não tem base territorial eleitoral. Vai ter um grande jurista dedicado à reforma do Código Penal, vai ter um sindicalista que vai discutir as questões trabalhistas, e por aí vai. Isso estimulará os partidos a buscarem bons quadros, porque esses nomes da lista são os que, em última instância, se apresentam em nome dos partidos para ajudar os candidatos de base territorial. Acaba criando uma relação positiva, um ciclo virtuoso na construção dos partidos. Vamos requalificar imensamente o parlamento brasileiro.
E os outros dois pontos?
O restabelecimento da cláusula de desempenho eleitoral é essencial. Partido tem de ser representante de um segmento de pensamento na sociedade. E o terceiro item, o fim da reeleição e mandatos de cinco anos para todo mundo, com coincidência das eleições.
Na polêmica do Mais Médicos, o senhor abriria mão dos profissionais cubanos, uma vez que não aceita as regras do acordo com Cuba? E o senhor disse que criaria a carreira de médico federal. Já fez as contas de quanto isso custa?
Não fiz, estamos fazendo. Em primeiro lugar, ninguém pode ser contra mais médicos. Quero mais médicos e mais saúde. O que ocorreu é que o governo federal não estimulou a criação de cursos de Medicina e tomou uma medida que tem algum apelo popular e um viés marqueteiro muito forte. Essa medida é contraditória dentro do conjunto das ações do governo, porque fala de mais médicos no momento em que oferece menos saúde à população. Quando o governo do PT assumiu, em 2003, 54% de tudo que se gastava em saúde vinha da União. Passaram-se 11 anos, e
hoje a União participa com 45%.
Seus adversários dizem que o senhor vai acabar com o Bolsa Família. O que planeja fazer?
Vamos aprimorá-lo, mas tenho de dizer o seguinte: não vamos acabar com o Bolsa Família. O programa faz parte da paisagem econômica e social de uma parcela importante do Brasil. E você sabe a origem dele, o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação, do governo do PSDB. Apresentei um projeto que o PT, incrivelmente, votou contra e impediu que fosse aprovado, que é a transformação do Bolsa Família em programa de Estado. O Bolsa Família vai continuar, mas a diferença é que, para nós, é um ponto de partida. Para o PT, é um ponto de chegada.
E os outros programas?
Vamos lá. Minha Casa Minha Vida é um projeto que vem dando resultado, mas não encontrou ainda uma forma de ampliar o acesso às faixas de até três salários mínimos. Esse será o foco. Vamos manter todos esses programas e vamos aprimorá-los. O Ciências Sem Fronteiras é importante também, mas temos de fazer um esforço de ensinar inglês para os meninos antes de eles irem para o mundo, para que possam aproveitar melhor. Os relatos são de que as pessoas não estão aproveitando adequadamente porque não estão com uma base mínima para sair do Brasil.
Mas é um belo programa e vamos ampliá-lo e fazer a outra mão: abrir espaço para pesquisadores e professores estrangeiros. Gostaria de constituir um programa para fortalecer esse intercâmbio com uma visão externa de outras partes do mundo, para beneficiar aqueles que não saíram do Brasil.
Quais suas propostas em relação à segurança?
Vamos transformar o Ministério da Justiça em Ministério da Justiça e Segurança Pública, não apenas para dar um nome, mas para estabelecer uma nova política de articulação junto aos Estados. Hoje, há uma tradição de transferência de responsabilidades. Constitucionalmente, a segurança é responsabilidade dos Estados, mas não se pode esquecer que controle de fronteiras, tráfico de drogas, tráfico de armas, tudo isso é responsabilidade da União, e é aí que está a base do crescimento da criminalidade.
Quantas vezes o senhor utilizou o aeroporto construído em área desapropriada de um parente no município de Cláudio?
Nesse caso, há muito de desinformação e um certo tempero eleitoral. Todos os investimentos que fizemos em Minas Gerais foram planejados, inclusive esse. Fiz investimentos em todas as regiões, praticamente em todos os municípios do Estado. Ligamos 230 cidades por asfalto, ligamos 450 por telefonia e aproximamos a malha viária dos principais centros geradores de riqueza no Estado. Isso ocorreu em Cláudio, também. O curioso é que o ataque vem como se fosse possível alguém construir uma obra pública em uma área privada.
O senhor se arrepende de ter feito esse aeroporto na propriedade de um parente seu?Não, não me arrependo e poderia ter feito até mais caro em um ponto mais distante, mas, naquela região, era um ponto necessário e é como vai ficar provado fora do ambiente eleitoral.
Mas o senhor utilizou o aeroporto ou não?
Não vou entrar nessa polêmica. Isso é absolutamente irrelevante. Quero centrar na acusação que me foi feita de que foi construído um aeroporto público em uma terra privada. Essa acusação é mentirosa, e aqueles que fizeram já afastaram essa acusação.
Por que o senhor se incomoda com essa pergunta?
Não me incomoda. Respondi a você. Você gostar ou não da resposta é outra questão. Respondo a tudo em 30 anos de política.