sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A Venezuela é aqui? Meu #Artigo de @OpiniaoZh, publicado em @ZeroHora

               Uma coisa é certa. Cheguei aos 40 anos entendendo que democracia é algo a ser lapidado continuamente. Às vezes, com a talhadeira do povo nas ruas, em outras com a broca fina do voto.

Publicado em Zero Hora 21/02

               Na infância pobre de escola pública, a obrigação do desfile cívico ainda marca minhas memórias. Assim como o movimento Diretas Já - que completa trinta anos - e os caras-pintadas, que deixaram suas cicatrizes no cidadão, Frankenstein político que me tornei.
               Essa monstruosidade vem de presenciar opositores históricos da época do impeachment terem-se tornado colegas de parlamento e coabitarem as torres do Congresso Nacional. Coisas dessa possibilidade quiçá universalizada do sufrágio.
               Quarentões como eu e oitentões como alguns senadores, fomos às ruas - cada um de seu modo e a seu tempo ou época - defender bandeiras e ideologias. Nesse artesanato que tinha por molde transformar vozes mudas em megafone, ninguém foi Da Vinci. E a censura – glória! - foi derrotada. 
               Contudo, essa cegueira congênita que toma nossos líderes foi adquirida quando? Em que momento passamos de críticos de nossa política e de contumazes rebeldes a cegos do castelo? Lamento àqueles que dele usufruem, mas foi no instante mícron em que nos habituamos ao poder embasadamente democrático.
               Os “monstros” que foram às ruas no passado travestidos de Dr. Jekyll, hoje, aglomeram-se elucubrando uma maneira para coibir a possibilidade de reivindicar direitos semelhantes àqueles que os conduziram às suas cadeiras de congressistas em Brasília.
               Há viseiras e vendas que os (nos) impedem de olhar ao redor e para história, para a geopolítica. Será que a lente do cinegrafista morto serviu para cegar? Em um efeito inverso ao zoom que provocava em nosso sistema político e democrático?
               As proposições que pipocam na Câmara e no Senado visando transformar manifestações populares em atos terroristas só se justificam por atender a interesses de terceiros ou daqueles que se sintam “a mosca do alvo” por elas almejada. 
               Não posso admitir que meu filho, hoje com quinze anos, venha a entender que violência é forma de protesto e reivindicação, ou que a morte maior seja a da repressão inconsistente e da tipificação de ato terrorista daqueles que manifestam. Tampouco, não quero que meu primogênito, como aquele sacrificado, abra mão de votar ou mesmo eu tenha que conduzir meu voto a um funeral. 
               Nosso despreparo, de nossos políticos e governantes, faz parecer que iniciamos a marcha fúnebre de nossa democracia. O vizinho país da Venezuela acostumou-se à democracia referendando os mesmos governantes. Inaptos, permitiram que manifestações contabilizassem mortes e fazem ocultar o fracasso do sistema político prestes a beirar o autoritarismo. 

               É a cicatriz que queremos talhar na história em ano de copa e eleições? A Venezuela é aqui? Desejo que não.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Perfeição. Texto em homenagem a Santiago Andrade

Perfeição

“Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja
De assassinos covardes
Estupradores e ladrões”

Em 1993 Esses foram os primeiros versos de Renato Russo, na música chamada ironicamente “Perfeição”. Após 21 anos, com a morte de Santiago Andrade, atestamos nossas imperfeições.

Atingido por um rojão durante protesto no Rio de Janeiro, o cinegrafista veio a falecer nesta segunda-feira. Crônica de uma morte anunciada: qual político ou governante não sabia que algo trágico viria a acontecer?

Não imagino que tantos que opinaram a respeito das manifestações não conseguissem prever uma fatalidade, após sucessivas cenas de vandalismo e agressões. Assim se proliferam casos pelo Brasil. Com o despreparo da polícias e o surgimento dos “Black Blocs”. A Legião Urbana, continuava a sátira a nossa sociedade:
“Vamos celebrar
A estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso estado que não é nação”

É o que esperamos? No ano em que teremos eleições, Copa do Mundo e, certamente, manifestações, há o que a comemorar? Os 30 anos do movimento “diretas já”? Ou a capa da revista que ilustra um menor nu, preso a um poste? Ou, como diz a música:
“Celebrar a juventude sem escolas
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião”

Fosse apenas isso, mas não. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o que avançou além das promessas feitas aos parentes das vítimas da Boate Kiss? Em Minas e no Espírito Santo, mais de 45 pessoas morreram nas últimas chuvas. Quantos desastres mais terão que acontecer?

Ironia, o cinegrafista que teve dois prêmios jornalísticos de Mobilidade Urbana, cobria a manifestação contra o aumento das passagens de ônibus. Será que, como apregoava o músico há duas décadas:
“Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos”

Cantava em uma época em que ainda havia esperança, mas chegamos ao futuro que o Brasil seria e ainda vivemos momentos de combustão social. Nossos problemas continuam os mesmos e temos que repetir o que já foi cantado:
“Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação”
Mais que lamentar, é o momento de rever nossos valores, virtudes e governos! Alguém mais tem que morrer? Quanto luto ainda é preciso?

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

#Artigo: Uma questão de valores


Para os brasileiros, é comum presenciar e até participar de campanhas de arrecadação de valores. Há redes de comunicação, vizinhos, entidades que as promovem. Agora, há uma fatia da sociedade inovando com o “mensaleiro esperança”.
Via de regra, tais campanhas têm finalidade social e visam compensar a ausência de Estado. Ora de forma direta, como atingidos por desastres naturais ou campanhas do agasalho, por exemplo. Ora indiretamente, financiando entidades, projetos ou organizações. A mais famosa delas tem apoio da UNESCO - Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura.
Logo em seguida de suas realizações, há a cobrança sobre a destinação de recursos, como estes foram empregados e quem foram os beneficiados. Também há, pela necessidade de transparência, o questionamento de “que vantagem ‘Maria’ leva”? São preceitos de quem possui valores sociais.
Há também os que fracassam em suas tentativas de angariar recursos. Os casos mais explícitos estão ligados à captação, à área cultural e seus valores. Há, inclusive, leis de incentivo, exigências, contrapartidas (não só financeiras). A princípio, o processo é devidamente legalizado e transparente.
Assim, dadas as motivações, sem pregar falso moralismo, bem-sucedidas ou não, podemos dizer que, independente de ideologias ou politicagens, as campanhas de arrecadação têm por suporte valores éticos e morais. No geral, almejam suprir carências de nossa organização civil e política.
Estarrece, portanto, quando dois condenados pela mais alta corte de nosso sistema Judiciário – cumpridas todas as fazes recursais – conseguem arrecadar um valor superior a R$ 1,5 mi (um milhão e meio de reais!), em pouco mais de duas semanas.
Ambos foram condenados por corrupção ativa e formação de quadrilha. Com o único objetivo de pagar a multa imposta pela justiça, usufruíram de sites, supostamente viabilizados por amigos, para arrecadar valores pecuniários. Conseguiram. Mas avalizados por quem?
Quanto a quem  fez doações, quais seus valores? Pode, em uma atitude que contradiz a Justiça, haver apoio àqueles que praticaram crime? Não estariam corroborando para a impunidade e o estabelecimento dessas práticas?
E mais, os que simpatizam com os condenados, como, de que forma e por que contribuíram? Estão vinculados a qual partido ou entidade sindical e respondem a qual interesse? Se assim o fizeram, deixaram de respeitar o regime político vigente?
Essas arrecadações endossam que é possível desrespeitar as leis atuais, fazer qualquer coisa fora delas e desmoralizar nosso sistema de governo e poderes. Não se pode permitir a criação de uma nova justiça, em que o perdão se dá através de doação financeira e serve apenas a interesses pessoais, políticos ou partidários.
Que valores queremos para o nosso país? Qual o tamanho da quadrilha?