Uma coisa é certa. Cheguei
aos 40 anos entendendo que democracia é algo a ser lapidado continuamente. Às
vezes, com a talhadeira do povo nas ruas, em outras com a broca fina do voto.
Publicado em Zero Hora 21/02 |
Na
infância pobre de escola pública, a obrigação do desfile cívico ainda marca
minhas memórias. Assim como o movimento Diretas Já - que completa trinta anos -
e os caras-pintadas, que deixaram suas cicatrizes no cidadão, Frankenstein
político que me tornei.
Essa
monstruosidade vem de presenciar opositores históricos da época do impeachment
terem-se tornado colegas de parlamento e coabitarem as torres do Congresso
Nacional. Coisas dessa possibilidade quiçá universalizada do sufrágio.
Quarentões
como eu e oitentões como alguns senadores, fomos às ruas - cada um de seu modo
e a seu tempo ou época - defender bandeiras e ideologias. Nesse artesanato que
tinha por molde transformar vozes mudas em megafone, ninguém foi Da Vinci. E a
censura – glória! - foi derrotada.
Contudo,
essa cegueira congênita que toma nossos líderes foi adquirida quando? Em que
momento passamos de críticos de nossa política e de contumazes rebeldes a cegos
do castelo? Lamento àqueles que dele usufruem, mas foi no instante mícron em
que nos habituamos ao poder embasadamente democrático.
Os
“monstros” que foram às ruas no passado travestidos de Dr. Jekyll, hoje,
aglomeram-se elucubrando uma maneira para coibir a possibilidade de reivindicar
direitos semelhantes àqueles que os conduziram às suas cadeiras de
congressistas em Brasília.
Há
viseiras e vendas que os (nos) impedem de olhar ao redor e para história, para
a geopolítica. Será que a lente do cinegrafista morto serviu para cegar? Em um
efeito inverso ao zoom que provocava em nosso sistema político e democrático?
As
proposições que pipocam na Câmara e no Senado visando transformar manifestações
populares em atos terroristas só se justificam por atender a interesses de
terceiros ou daqueles que se sintam “a mosca do alvo” por elas almejada.
Não
posso admitir que meu filho, hoje com quinze anos, venha a entender que
violência é forma de protesto e reivindicação, ou que a morte maior seja a da
repressão inconsistente e da tipificação de ato terrorista daqueles que
manifestam. Tampouco, não quero que meu primogênito, como aquele sacrificado,
abra mão de votar ou mesmo eu tenha que conduzir meu voto a um funeral.
Nosso
despreparo, de nossos políticos e governantes, faz parecer que iniciamos a
marcha fúnebre de nossa democracia. O vizinho país da Venezuela
acostumou-se à democracia referendando os mesmos governantes. Inaptos,
permitiram que manifestações contabilizassem mortes e fazem ocultar o fracasso
do sistema político prestes a beirar o autoritarismo.
É
a cicatriz que queremos talhar na história em ano de copa e eleições? A
Venezuela é aqui? Desejo que não.
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