O vale-tudo de Dilma
Abaixo, meu artigo, quinzenal, publicado no jornal "Brasil Econômico".
"O jornalista e historiador Phillip Knightley, após pesquisar o trabalho dos correspondentes de guerra, conclui que, nos conflitos militares, a primeira vítima é sempre a verdade. Nas disputas eleitorais também, por mais indispensáveis que sejam. Na atual campanha presidencial, a verdade foi fulminada em várias ocasiões, mas em nenhuma ocorreu um morticínio como nas pesquisas eleitorais.
Em meio ao 'fogo amigo', a campanha da candidata petista parecia avançar sem grande resistência, até que se tornou claro que a vitória já no primeiro turno não estava assegurada. Com a popularidade nas alturas e sentindo-se invencível, Lula tomou a possibilidade de um segundo turno como uma afronta pessoal, apesar de tudo indicar que seria vencido por sua criatura política.
Esquecendo que o Lula vencedor era o 'Lulinha Paz e Amor', incorporou o "João Ferrador", personagem do Jornal do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC nos anos 1970 cujo bordão era 'Hoje eu não tô bom!'.
Deixou os afagos de lado, decidido a passar o trator por cima de todos que surgissem pelo caminho, destilando ódios e distribuindo insultos e ameaças. Consumada a vitória com sabor de derrota, engatou marcha à ré. Qual Lula atuará publicamente neste final de campanha ainda não está claro, mas uma coisa é certa: contra o Lula, só o Lula.
Se os excessos de Lula ajudaram a levar a eleição para o segundo turno, agora a oposição vai ter de mostrar seus acertos. O que falta ao Serra para suplantar o Dilma-Lula? Teria de dar mais ênfase ao governo de FHC, mostrando, por exemplo, que as privatizações trouxeram benefícios ao Brasil; dizer que na verdade as estatais não são do povo, como querem fazer crer Lula e o PT, mas dos sindicatos e dos partidos políticos e estão na origem da corrupção que estarrece o país.
Muito da popularidade de Lula e o que vinha sustentando a eleição de Dilma é o Bolsa Família ("ela recebeu 46,91% dos votos válidos em todo o país, mas em dez estados - oito deles no Nordeste, ultrapassou a marca de 50%, suficiente para vencer já no primeiro turno. Desses dez, nove fazem parte da lista de dez estados com maior abrangência do Bolsa Família", segundo "O Globo"). De onde se conclui que o primeiro grito não é o da urna, mas do estômago. O voto começa no tripeiro, depois vêm razão e emoção.
Serra precisa insistir ainda em falar sobre o 13º para os beneficiários do Bolsa Família, no aumento de 10% para os aposentados, enfim, dar à cobra o veneno da cobra. O problema é que se Lula tem seu lado 'João Ferrador', Serra tem sua parte Ciro Gomes, com sua capacidade incomparável para detonar a própria candidatura.
A campanha para o segundo turno trouxe um Serra renovado. Até seu programa melhorou.
Como uma eleição que vai ser definida nos descontos e os dois times têm jogadores que não resistem à tentação de chutar o adversário na pequena área e na frente do juiz, tudo é possível. O certo é que entramos na fase do vale-tudo - e nisso Dilma conta com um craque."
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